Editorial: como na guerra
fria.
Passados 22 anos do fim da
União Soviética, as relações entre Estados Unidos e Rússia por vezes ainda
repetem o modelo dos tempos da Guerra Fria.
No período em que o regime
capitalista dos EUA se contrapunha ao malfadado comunismo do bloco soviético,
eram frequentes os momentos de tensão entre as duas nações, seguidos de
prolongada distensão e melhora nas tratativas.
Seria de esperar que o
término da ordem bipolar daria cabo desse maniqueísmo contraproducente na
esfera internacional. O cancelamento da cúpula bilateral entre os presidentes
Barack Obama e Vladimir Putin, que deveria acontecer no início de setembro,
evidencia que não é bem assim.
Causas imediatas e
estruturais contribuíram para a decisão de Obama de suspender o encontro. Há
quem veja na medida mera retaliação à concessão, pela Rússia, de asilo
temporário a Edward Snowden --o delator de um esquema global de monitoramento
de telecomunicações pela Agência de Segurança Nacional dos EUA.
Para além do imbróglio
diplomático, no entanto, há sérias divergências em temas permanentes na agenda
bilateral.
A guerra civil na Síria é o
motivo de maior discórdia. Moscou não pretende interromper a cooperação com o
regime de Bashar al-Assad; os americanos, por sua vez, oferecem apoio aos
rebeldes.
Defesa nacional é outro
ponto de desavenças. A Rússia se opõe aos planos norte-americanos para
construir sistemas de defesa antimísseis na Europa central. Sob a perspectiva
de Moscou, o fortalecimento dos EUA nessa região, muito próxima de seu
território, constituiria uma ameaça.
Reduzir o volume de
armamentos nucleares das duas potências na mesma medida, outro desejo do
governo Obama, não encontra eco na gestão nacionalista de Putin.
Se não bastassem esses
aspectos de cunho militar, as duas nações frequentemente divergem também em
questões civis, como o respeito aos direitos humanos e a proteção das
liberdades individuais --o caso Snowden, nesse ponto, aparece quase como ironia
da história.
A nova geopolítica global,
contudo, impõe que as duas potências sejam mais pragmáticas. Não faz sentido
que elas apenas troquem acusações mútuas e fomentem importantes conflitos mundiais.
É o caso do conflito sírio,
que se arrasta há dois anos e já vitimou mais de 100 mil pessoas. Sua resolução
passa, obrigatoriamente, pela negociação entre EUA e Rússia.